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Casais homoafetivos enfrentam dificuldades para registrar filhos; como garantir o direito?

domingo

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A publicitária Carolina Magalhães e a designer Geórgia Nunes se conheceram em 2011, na pós-graduação. O romance entre as duas começou em 2012 e mesmo morando juntas desde 2014, em 2016 o casal decidiu oficializar a união. Carol passava por um tratamento de câncer de mama na época.


Após quatro anos do diagnóstico de câncer, com o fim do tratamento, resolvemos fazer a FIV(fertilização in vitro) para eu gestar nosso bebê. Utilizamos o óvulo de Geo para eu não ter que usar hormônios.", lembra  


Hoje, Carol e Geo estão esperando Guilherme, a gestação segue tranquila na reta final, com 33 semanas.  Mas, nem tudo está sendo fácil para as mães do Gui, como explica Carol:" A história do registro surgiu porque a médica da reprodução humana nos informou que teríamos que pegar um documento na clínica que atestava que a gente tinha feito esse procedimento lá, logo, as duas eram consideradas MÃES da criança. Esse documento deve ser levado no dia do registro, após o nascimento."


Declaração de Nascido Vivo

A DNV é uma ficha impressa e enviada aos hospitais pelo Ministério da Saúde, com os campos "pai" e "mãe" a serem preenchidos geralmente por enfermeiras que acompanham o parto. O que acontece, na prática, é que as profissionais - por falta de preparo ou preconceito - preenchem apenas o nome da mãe gestante. O que deveria tramitar como para qualquer casal, para homoafetivos, as regras são heteronormativas. 


Um dos problemas para registrar uma criança filha de casais lésbicos é a exigência de que sejam casados para que uma das mães possa ir sozinha ao cartório registrar a criança. É comum que, entre casais héteros, o pai vá sozinho registrar o bebê. Para casais homo afetivos, há duas opções: ou vão as duas ao cartório, mesmo que uma tenha acabado de parir, ou a mãe que vai precisa provar que há uma relação marital.


Também é o caso de Isadora e Dian, que mesmo já sendo casadas, precisaram oficializar perante a lei a união. O processo de reprodução assistida foi longo e após três tentativas de fertilização in vitro, o tão sonhado positivo chegou:  "Fomos orientadas pela clínica de fertilização que a partir de 28 semanas precisaríamos pegar um documento que confirmasse que eu e Dian fizemos esse tratamento e somos as mães do nosso filho. ”


Juntas desde de 2017, o casal começou a buscar a realização do sonho da maternidade:

“Nossa primeira tentativa foi uma inseminação artificial em julho de 2021, onde o resultado foi negativo. Em novembro de 2021 fizemos a segunda tentativa, dessa fertilização in vidro, onde veio novamente o negativo.  Todo o nosso processo foi feito com meus óvulos e com a amostra de sêmen. Todo esse processo não é tão simples e fácil. Ele é regado com muita expectativa, desejo, vontade de que tudo corra bem. Depois de tantas etapas e esperas ainda tem a parte da transferência embrionária, onde recebi no meu útero o embrião que estava congelado em laboratório e agora era continuar torcendo para que ele ficasse grudadinho aqui dentro. ”


A história de Isadora e Dian, e Carol e Geórgia é similar à de diversas outras famílias de mulheres. Sem contar as famílias que optaram pela inseminação caseira e têm tido dificuldades para registrar seus filhos no nome das duas mães devido ao provimento 83 do CNJ, que mudou as regras para registro por filiação socioafetiva, que é o reconhecimento da maternidade por meio dos laços de afeto. Antes, era possível fazer esse registro direto no cartório. Agora, isso terá que ser feito via processo judicial.


Inseminação caseira é em um procedimento simples, feito sem acompanhamento médico, em que um doador coleta o sêmen em recipiente esterilizado e, logo em seguida, a mulher o injeta na vagina e espera deitada para que aconteça a fecundação.


O principal motivo da busca pelo método é o custo: uma inseminação assistida em clínica pode chegar a custar R$ 20 mil por tentativa.


A advogada Ana Cristina Accioly, especialista em direito de família, ressalta que a constituição prevê que o direito de constituição de família abrange todos os tipos de entidades familiares. “Teoricamente, não deveria existir nenhuma distinção em relação aos mecanismos de paternidade ou maternidade entre casais heterossexuais ou homossexuais, de acordo com o artigo 226. O próprio STF, em decisão de 2011, reconheceu a necessária igualdade de tratamento jurídico para todos os arranjos familiares, expressamente incluindo os casais formados por pessoas do mesmo sexo”.


O código civil, lei 10406 de 2002, ao tratar sobre as famílias, “Inovou ao conceder expressamente as garantias inerentes à filiação genética à filiação socioafetiva. Nessa mesma linha, o ECA – o estatuto da criança e do adolescente, considera como fundamental o direito de toda criança e adolescente de estar inserido em uma família, biológica ou não”.


Contudo, para ser considerado cidadão e poder ter direitos e obrigações, a lei de registros públicos (lei federal 6.015/1973) exige um ato formal que é o registro em livro oficial a partir do qual se extrai a certidão de nascimento. “Juridicamente o indivíduo só passa a “existir” depois disso. ”  que trata especificamente deste registro. O papel dos cartórios de Registros Públicos é conceder publicidade a atos e fatos considerados relevantes para a sociedade, e, neste sentido, o fato nascimento também precisa de registro. ”


A decisão do Supremo Tribunal Federal referente ao reconhecimento do necessário tratamento isonômico as mais diversas entidades familiares, admite, portanto, a o registro de dupla maternidade, dupla paternidade, ou paternidade socioafetiva. “Até 2017, antes dessa decisão, registro civil só seria feito depois de um processo judicial: Essa também exigiu uma regulamentação do Conselho Nacional de Justiça para que os registros em questão fossem realizados sem a necessidade de propositura de ação, diretamente no cartório, o que fez por meio do provimento 63. Provimento é uma das espécies de atos normativos, foi direcionado aos cartórios de registro civil com orientações sobre como o registro seria feito. Desta forma, até a entrada em vigor do provimento 83, a documentação exigida para esse procedimento era a DNV e Certidão de casamento ou de união estável. O problema é que em 2019, o CNJ, através do referido provimento 83 cria embaraços ao reconhecimento da parentalidade socioafetiva, na qual se enquadraria a figura da mãe que não pariu a criança, que só seria feito a adolescentes de 12 anos ou mais. A partir daí, surgiu um obstáculo, não apenas para casais homossexuais do sexo feminino como também do sexo masculino. Caso não observem as prescrições dessa norma, os casais só terão esse direito reconhecido mediante a promoção de ação judicial para adoção dos seus próprios filhos. ”


Geórgia desabafa sobre toda expectativa e dificuldade do processo:

“A gente fica indignada porque existe inclusive um viés classista/racista nesse impedimento, porque, mesmo havendo muita burocracia para conseguir o registro, as mães que optaram (e tiveram grana) para fazer o tratamento de reprodução assistida numa clínica, conseguem registrar seus filhos com um documento que a clínica fornece."


"Mas, em que lugar ficam as mães que não tiveram grana para fazer o tratamento numa clínica e por esse motivo optaram por realizar seus sonhos de serem mães através de uma inseminação caseira? Essas mulheres em geral brigam na justiça por meses ou até anos até terem garantidos na lei e na certidão de nascimento seus direitos de mães.  Em casais heterossexuais isso não acontece. Várias amigas minhas me informaram que não precisaram nem como provar que o pai era pai biológico para conseguir o registro. Então porque no nosso caso a certidão de casamento apenas não basta? ”


Fonte: Bnews


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